domingo, 22 de setembro de 2013

Reais...e Incompreensíveis!


"Ver o mundo num grão de areia
e o céu numa flor selvagem
Pôr o infinito na palma da mão
E a eternidade numa hora."
Wiiliam Blake in Auguries of Innocence

 O que faz começar os momentos que nos constroem por dentro será sempre o bom uso do coração.  Porque, verdadeiramente, aquilo que nos distingue, aquilo que nos torna únicos e nos permite crescer dentro do nosso tamanho,  é a beleza que emana destes momentos  onde pomos à flor da pele tudo o que somos e sentimos, sem varrermos os sentimentos e as emoções para debaixo do tapete e sem nos atropelarmos nas páginas em branco do não dito, das múltiplas defesas, dos filtros e dos medos.

Esses momentos, que estão fora do tempo e do relógio,  determinam toda a essência humana e, em última análise, a sua própria história. Porque são eles que permitem a vivência plena da verdadeira experiência de companhia, de partilha e comunhão, sendo o verdadeiro respirar da alma humana. 

A própria compreensão do mundo, da vida e de nós próprios é algo que nos pede  esta demora , este “estar”, esta partilha, este “ estar em relação”, o estar com tempo, com disponibilidade interior, este estar com o coração e a alma inteiros, este estar com mais siêncio que palavra.

Na verdade, talvez não consigamos realmente compreender nada nem ninguém senão através desta relação de partilha mais profunda e que envolve essencialmente três dimensões: a gratuitidade, a aceitação e a capacidade de partilhar o silêncio.

Compreender, tal como aprender, seja sobre a vida, seja sobre o mundo, seja sobre os outros, sobre nós, sobre a raiva, sobre o amor ou sobre a razão de ser de uma pedra no caminho, pede-nos outro tempo e outro estar. Pede um tempo que não é o tempo do relógio, não é o tempo regulado por uma máquina, neutral, isento, uniforme, inalterável,  contínuo, progressivo,  indiferente às ingerências do presente ou do que fica para trás. O tempo do relógio é um tempo sem vínculos, sem sentimentos que se atrasam, recuam ou duvidam, que tropeçam,  desejam ou concretizam após muitas  ambivalências, é um tempo sem raízes que maturam para lá do tempo. Compreender, tal como aprender, exige um tempo humano. Um tempo que respira. Um tempo que pulsa ao ritmo da vida…tantas vezes ao encontro do olhar do outro. Até porque a vida de cada um de nós não se basta a si mesma. Precisaremos sempre do olhar do outro, que nos olha sempre de um outro ângulo, com outra perspetiva. E é neste encontro, nesta relação que vamos crescendo. A vida não se resolve individualmente mas sim na partilha. E é aí, nesses momentos fora do tempo cronometrado, que ela é realmente bela.

São esses  momentos fora do tempo  que nos fazem humanos e que nos dão coragem para os “minutos a seguir” da vida quotidiana… É verdade que, quase sempre, não são estes momentos que se colocam numa moldura. Talvez porque façam parte dessa outra dimensão de nós, íntima e silenciosa, infinita e imune ao pó dos dias. Sabemos que os guardamos. E sabemos que correspondem a uma parte importante da história de uma vida.  Mas nunca saberemos  que caminhos da nossa própria história individual eles determinaram ou determinam. Sabemos, contudo, que é por eles que a nossa vida é sempre mais do que aquilo que é e que sobra sempre outra vida à história que contamos de nós próprios. Porque há algo de nós que fica num outro espaço, num outro tempo, num outro infinito.  

À semelhança da nossa história individual, assim acontece com a própria História. Como bem acentuou o historiador José Mattoso, há uma “incomensurável relatividade” que a escrita da História precisa incorporar. Daí não devermos, como ele conclui: “(…)dar mais valor à queda de um império do que ao nascimento de uma criança, nem mais peso às ações de um rei do que a um suspiro de amor.”

Talvez um dia mereçamos uma história e uma História contada assim… E talvez aí também os momentos fora do tempo possam figurar nas molduras…da nossa compreensão humana.
 
 
 
                                                            (Just Breathe - Pearl Jam)
                                                 http://youtu.be/aePWkeDxRjE
   

 

6 comentários:

  1. Valeu a pena a espera :) Muito profundo e tocante. Para quando um texto que não se goste, hã? É que é mesmo impossível não adorar a tua escrita e a forma como compreendes a vida. Sempre muito bom:)

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  2. Lindoooo! Amo.Muito lindo Dra Mónica.
    Patricia Gonçalves

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  3. Textos destes trazem-nos paz e confiança em algo sempre melhor.
    Beijinho

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  4. Querida Professora, adorei como sempre. Tenho tentado aderir ao seu blogue mas sem consiguir e até já falei com outras colegas que já tentaram mas sem efeito. Mas o importante é irmos lendo o que escreve pois é como as suas aulas, dá-nos esperança e ajuda-nos e aprendemos sempre coisas importantes. Um abracinho gigante para si e para a sua família.
    Catarina Silva

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  5. Nunca é demais dizer que adorei o texto, e a notória escolha literária e musical. Beijinho X. S.

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