"Ver o mundo num grão de areia
e o céu numa flor selvagem
Pôr o infinito na palma da mão
E a eternidade numa hora."
Wiiliam Blake in Auguries of Innocence
Esses momentos, que estão fora do tempo e do relógio, determinam
toda a essência humana e, em última análise, a sua própria história. Porque são
eles que permitem a vivência plena da verdadeira experiência de companhia, de
partilha e comunhão, sendo o verdadeiro respirar da alma humana.
A própria compreensão do mundo, da vida e de nós próprios é
algo que nos pede esta demora , este “estar”, esta partilha, este “ estar em
relação”, o estar com tempo, com disponibilidade interior, este estar com o coração e a alma inteiros, este estar com mais siêncio que palavra.
Na verdade, talvez não consigamos realmente compreender nada nem
ninguém senão através desta relação de partilha mais profunda e que envolve essencialmente três dimensões: a gratuitidade, a aceitação e a capacidade de partilhar o
silêncio.
Compreender, tal como aprender, seja sobre a vida, seja sobre
o mundo, seja sobre os outros, sobre nós, sobre a raiva, sobre o amor ou sobre
a razão de ser de uma pedra no caminho, pede-nos outro tempo e outro estar. Pede
um tempo que não é o tempo do relógio, não é o tempo regulado por uma máquina,
neutral, isento, uniforme, inalterável,
contínuo, progressivo, indiferente às ingerências do presente ou do
que fica para trás. O tempo do relógio é um tempo sem vínculos, sem sentimentos
que se atrasam, recuam ou duvidam, que tropeçam, desejam ou concretizam após muitas ambivalências, é um tempo sem raízes que
maturam para lá do tempo. Compreender, tal como aprender, exige um tempo
humano. Um tempo que respira. Um tempo que pulsa ao ritmo da vida…tantas vezes ao
encontro do olhar do outro. Até porque a vida de cada um de nós não se basta a
si mesma. Precisaremos sempre do olhar do outro, que nos olha sempre de um
outro ângulo, com outra perspetiva. E é neste encontro, nesta relação que vamos
crescendo. A vida não se resolve individualmente mas sim na partilha. E é aí,
nesses momentos fora do tempo cronometrado, que ela é realmente bela.
São esses momentos
fora do tempo que nos fazem humanos e
que nos dão coragem para os “minutos a seguir” da vida quotidiana… É verdade que,
quase sempre, não são estes momentos que se colocam numa moldura. Talvez porque façam parte dessa
outra dimensão de nós, íntima e silenciosa, infinita e imune ao pó dos dias.
Sabemos que os guardamos. E sabemos que correspondem a uma parte importante da
história de uma vida. Mas nunca saberemos que caminhos da nossa própria história
individual eles determinaram ou determinam. Sabemos, contudo, que é por eles
que a nossa vida é sempre mais do que aquilo que é e que sobra sempre outra vida à
história que contamos de nós próprios. Porque há algo de nós que fica num
outro espaço, num outro tempo, num outro infinito.
À semelhança da nossa história individual, assim acontece com
a própria História. Como bem acentuou o historiador José Mattoso, há uma “incomensurável
relatividade” que a escrita da História precisa incorporar. Daí não devermos,
como ele conclui: “(…)dar mais valor à queda de um império do que ao nascimento
de uma criança, nem mais peso às ações de um rei do que a um suspiro de amor.”
Talvez um dia mereçamos uma história e uma História contada assim… E
talvez aí também os momentos fora do tempo possam figurar nas molduras…da nossa
compreensão humana.
Valeu a pena a espera :) Muito profundo e tocante. Para quando um texto que não se goste, hã? É que é mesmo impossível não adorar a tua escrita e a forma como compreendes a vida. Sempre muito bom:)
ResponderEliminarLindoooo! Amo.Muito lindo Dra Mónica.
ResponderEliminarPatricia Gonçalves
Belo.
ResponderEliminarTextos destes trazem-nos paz e confiança em algo sempre melhor.
ResponderEliminarBeijinho
Querida Professora, adorei como sempre. Tenho tentado aderir ao seu blogue mas sem consiguir e até já falei com outras colegas que já tentaram mas sem efeito. Mas o importante é irmos lendo o que escreve pois é como as suas aulas, dá-nos esperança e ajuda-nos e aprendemos sempre coisas importantes. Um abracinho gigante para si e para a sua família.
ResponderEliminarCatarina Silva
Nunca é demais dizer que adorei o texto, e a notória escolha literária e musical. Beijinho X. S.
ResponderEliminar