segunda-feira, 21 de abril de 2014

Benfiquices e anatídeos


Penúltimo dia das férias da Páscoa… O texto impunha-se-lhe…Era impossível adiar mais as palavras… Era a última tarefa que lhe faltava dos (inúmeros) trabalhos de casa: Uma redação subordinada ao tema: “As minhas férias da Páscoa” – previsível, portanto, e impossível de pecar por ausência de substrato narrativo, pois lá aventuras teve o miúdo!...

Foi então que ele veio até mim, exatamente no momento em que eu acabara de arrumar a loiçaria na máquina, e arriscou, arriscou muito, não sei se motivado pelo excelso rubor benfiquista agora em alta, ou se derreado pelo cansaço das dezanove fichas de trabalho que fizera herculeamente naqueles quinze dias, entre acampamentos dos escuteiros, treinos e jogos de basquete, campeonatos de judo, idas a casa dos amigos, amigos em casa dele, idas a casa dos avós, avós em casa, a irmã a dar-lhe cabo da paciência, ele a dar cabo da paciência da irmã, etc, etc, etc… :

 - “Oh mãe… Não achas que no texto basta escrever: “ As férias foram boas. O Benfica foi campeão.” Isso vale as férias inteiras, não achas?  Não preciso escrever mais nada! Não achas? Ele ria-se. Eu pasmava. Ele ria-se outra vez e eu arrependia-me de já ter arrumado a escumadeira!

Obviamente, não queria acreditar no que ouvia!!! Então o Benfica ser campeão vale umas férias inteiras??

Aparentemente valia!!! Obviamente, eu não queria abafar-lhe a euforia de campeão, legítima, aliás, até porque também partilhava da mesma mas… Convenhamos…Relativemos…
E o primeiro acampamento de escuteiros que fizera há uma semana e do qual viera DELIRANTE?!! E a primeira peça de teatro (atente-se no nome: “O palhaço cueca”!!!”) que fez com os rapazes (claro!!!) em redor da fogueira em plena noite de lua cheia, e da qual não parava de falar (e rir!) quando chegou a casa e nos (pelos menos!) cinco dias seguintes ?
E as máximas dos lobitos que teve que ler a solo e que lhe deram um frio na barriga mas que lhe aqueceram o coração tal foi o calor dos aplausos dos companheiros?
 E as anedotas que não parava de contar e recontar e que aprendera na sua primeira noite em plena tenda, em pleno ar livre, em plena noite escura, em plena Arrábida, em plena vida?  E as caças aos ovos que fizemos, com direito a mãe disfarçada e tudo?
E a primeira vez em que finalmente conseguimos ir todos passear de bicicleta “sem rodinhas”? (Também a Bia tivera nesta Páscoa as suas primeiras vezes, nomeadamente o ter aprendido a equilibrar-se definitivamente em duas rodas…). E a primeira vez que não fizemos panquecas redondas? (Afinal, porque é que as panquecas têm sempre que ser redondas? Só porque a frigideira o exige? Isto não será, também, uma boa máxima para a vida?!)

E os dois patinhos que passámos a ter e que eles, Tiago e Bia, lá conseguiram convencer os pais a “adotar”? Aliás, os patos são um amor e lá andam pelo jardim todos contentes enquanto o futuro lago vai tomando forma… O que eu espero é que o talento incisivo dos meus filhos para escolher nomes se aplique apenas a anatídeos… A Bia escolheu Ludmila para a pobre patinha. Bem, na verdade, tem sido uma opinião generalizada de que é um nome divertidíssimo e bem adequado para uma…pata! A minha (chata) veia psicanalítica é que se pôs a fazer arqueologia psicológica e a pensar o que é que terá levado a Bia a escolher aquele nome já que, quando indagada, prontamente esclareceu que não era por gostar do nome. O que é engraçado é que quando lhe perguntei, da primeira vez, que nome queria dar à dita ela respondeu: Violenta!!! Só depois, passados uns minutos, o próprio foi corrigido  para…Ludmila!!!!  Pois é… Creio que a pobre pata foi, para sempre, vítima de um lapsus linguae pois, na verdade, a Bia teria querido chamar-lhe Violeta (da série Violeta), tal como chama agora a todas as sua bonecas, não fora ter bicado o dedo da Bia quando esta a tentou abraçar e logo passar de uma  patita Violeta a uma pata Violenta! Mais, a uma pata Ludmila, que é, na série televisiva, a malvada rival da doce Violeta!!! Enfim, coisas de gajas…

Quanto ao Tiago…Na escolha do nome que deu ao pato lá estava bem espelhada a tendência masculina para deixar uma marca e perpetuar a espécie: Tiago JR!!!  Só que, neste caso, não sei bem que afinidades é que o meu filho viu entre ele e o anatídeo!!! (Mas lá que as há, há!!! Será no grasnar quando está com fome???)

Em suma, por detrás de um Benfica campeão houve muitos jogos, assim como por detrás deste último dia de férias da Pás coa houve muitos dias. Dificilmente um texto resumirá o que foram esses dias. Mas nunca uma frase apenas e só lhes fará justiça, mesmo que seja a de um  Benfica campeão.

O nosso juízo de arrumação e remate é, quase sempre, enganador. Tendemos, tantas vezes, a querer arrumar tudo e mais alguma coisa em categorias de importância e prioridade: O Benfica campeão é mais importante que uma panqueca triangular com mel e canela. Será? O Benfica campeão é mais importante que o “palhaço cueca” em noite de lua cheia, à luz da fogueira, em plena Arrábida. Será? O Benfica campeão é mais importante que livrarmo-nos das quatro rodinhas e finalmente começarmo-nos a arriscar o equilíbrio nas duas rodas da vida. Será? Será que um Amo-te é mais importante do que um Gosto Tanto de Ti? Será que um Guerra e Paz de quinhentas páginas é mais importante do que um Principezinho de sessenta? Será que o destino é mais importante que o caminho?

Pessoalmente, acho sempre as perguntas muito mais interessantes do que as respostas. Exatamente porque abrem espaços para o pensamento. Deixam em aberto, imagem que é, no fundo, a imagem da própria vida: algo em aberto, o espaço do inacabado, dos eternos começos. Até porque a própria vida é, por essência, viva! É florescente! É uma sucessão infinita de inícios onde, ao lado do previsto, irrompe o imprevisível que precisamos de aprender a acolher…

Talvez por isso, quando o Tiago me voltou a perguntar: “Então, mãe, o que é que achas que eu devo escrever no texto?”, eu tenha respondido simplesmente: “ Olha, sabes quem é que te pode mesmo ajudar a responder a essa pergunta? O "palhaço-cueca!”…