quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Encolher o tempo...

“O meu passatempo favorito é deixar passar o tempo, ter tempo, aproveitar o meu tempo, perder o tempo, viver a contratempo.”
Françoise Sagan

O seu olhar demorava-se-lhe nas mãos…Contava pelos dedos e voltava a contar como se criasse novas mãos perante a enormidade do número… De repente, aflora-lhe aos lábios a pergunta, num misto de angústia e desesperança:
-“Oh mãe, afinal quantas mãos faltam para eu fazer anos????”
A angústia compreendia-se… Afinal, desde Dezembro que o Tigas anda em contagem decrescente para o seu aniversário que, para desespero do pequenote, é só em Março…
-“Filhote, já só faltam três mãos cheias!!!! Está mesmo quase!!!!”
-Tanto mãe??? Ainda faltam esses dias todos??? Por que é que eu não posso fazer anos já amanhã? Ou hoje…Por que é que eu não posso fazer anos já hoje? Por que é que eu tenho sempre que esperar tanto…
- Tigas… Eu percebo que já esperaste muito mas nós não fazemos anos quando queremos…Fazemos uma vez por ano…Comemoramos no dia do nosso aniversário mais um ano que passou desde que nascemos…
- Mas por que é que eu não nasci mais cedo? Quem é que quis que eu só nascesse tão tarde, mãe?
(Adivinha-se a minha atrapalhação...)
-Bem…Não foi bem uma escolha, filhote…Tu foste crescendo, crescendo, crescendo na barriga da mãe e, em Março, já estavas tão grande que já te sentias apertado e…quiseste nascer!!!
-Bolas…por que é que eu não fiquei apertado logo no Natal!!!!!
- Oh Tigas, falta mesmo pouco para fazeres anos…Por que é que estás com tanta pressa?
- Porque tu disseste que só quando eu fizesse cinco anos é que já podia ir para a escola dos grandes e só nos meus anos é que os Beyblades (“bebeleites” como diz a Bia!!!) iam deixar de estar esgotados (ou “gostados” como também diz a princesa referida!!!!)!!!
- Pois…tens razão…mas não há nada a fazer…Tens mesmo que esperar mais quinze dias…Quinze dedos!!!
- Oh mãe, tu não podes encolher o tempo?
Encolher o tempo…Ora aí está uma boa sugestão para alguns casos e uma péssima sugestão para outros…Começo a divagar…
Às vezes, seria tão bom encolhermos o tempo que falta para a chegada daquele momento, daquele dia, daquele abraço, daquele sorriso, daquele olhar que quase nos faz pedir um mapa ou um gps por nos fazer sentir tão momentaneamente perdidos nele…
Seria tão bom encolhermos o tempo que falta para irmos buscar os pequeninos ao infantário, para os pegarmos ao colo (enquanto eles – e as nossas articulações - ainda nos deixam!) e fingirmos que os fazemos andar de avião…
Encolhermos o tempo para a chegada daquele avião… para a chegada da próxima viagem… para a chegada do Verão, das cerejas, da esplanadas, do corpo rendido ao toque da areia, dos olhos salpicados de sal e mar, dos passeios lânguidos sob o luar… Como seria bom encolher o tempo que falta para termos tempo, para perdermos tempo, para vivermos sem os olhos colados ao relógio e os ouvidos cronometrados com o despertador para acordar…
E, em antítese, quão bom seria esticar, dilatar, prolongar o tempo…Prolongar o tempo daquele mesmo abraço, daquele beijo no ombro, daquele sorriso…Dilatar o tempo de dar colo, dilatar o tempo das brincadeiras malucas, dos saltos na cama com collants na cabeça que os pequeninos adoram e quase choram de rir, das guitarradas, das músicas mesmo amalucadas!!!
Outros casos há em que encolher o tempo nos parece péssimo e dilatá-lo nos parece uma dádiva… Os meus alunos que o digam!!! Nos anos em que dou aulas ainda não houve nenhum aluno que me viesse pedir para fazer a frequência mais cedo… Muitos há, porém, que incansavelmente me pedem para as adiar… Também não me pedem menos tempo para fazer os exames…”Professora, pode ser só mais 5 minutos???”
E, por outro lado, também nunca me aconteceu um paciente pedir-me menos tempo de consulta…Pelo contrário…As questões mais importantes tendem a vir no fim…Enfim…Porventura sou mesmo eu que não sei gerir o tempo…Que não o encolho ou dilato quando devo…  Ou é o tempo que é mesmo assim…Relativo, como diria Einstein…
Quinze dias que faltam para um aniversário podem angustiar tanto uma criança como os quinze dias que faltam para uma primeira sessão de radioterapia numa adulta… De modos opostos!!!
E quinze dias podem ser tanto na vida de uns e tão pouco na vida de outros… Não me esqueço do meu querido sogro de 91 anos, após um internamento forçado também de quinze dias e de ter sobrevivido herculeamente a uma pneumonia, dizer-me: “Tens que me tirar daqui que aqui só estou a perder tempo!!!!”…
Esta é uma grande lição para aqueles que estão sempre a pensar que, só porque não têm isto ou aquilo que o vizinho tem, só porque não ganham assim ou assado, dão por perdida a sua vida… Há sempre tanto, ainda, a aprender… E todos os dias ganham um outro sentido se, em cada um deles, aprendermos algo de novo…Por muito simples que seja!!! (Ainda hoje fiquei maravilhada com o sorriso de encanto da Bia quando conseguiu, pela primeira vez, vestir-se totalmente sozinha!!! Totalmente!!! Camisola interior da Kitty, camisola da Kitty, saia anónima, cuecas da cinderella, collantes anónimos, “sapatos de mãe”(é como a Bia chama a todos os sapatos que não são ténis!!!) e ganchinho no cabelo…da Kitty!!!)!!!
Efectivamente, é uma grande verdade que não são os anos de vida que contam mas a vida que se dá aos anos, o sentido que vamos dando a cada dia, a cada hora, a cada minuto em que (ainda!) respiramos… e o saboreamos. Porque é exactamente desse minuto que podemos vir a sentir tanta, tanta falta…Durante um minuto podemos dizer a alguém o quanto dele ou dela gostamos, num minuto podemos fazer uma festa na testa dum sogro, dar um beijo no rosto de uma mãe, dum filho, dum sobrinho, dum amigo, de..alguém. Num minuto podemos escrever uma mensagem de força para quem se sente a ruir, num minuto podemos dar um sorriso, um abraço, a mão…Num minuto decide-se um jogo…Num minuto...Num segundo…Corta-se uma meta, conclui-se uma maratona, entrega-se um exame, ouve-se o primeiro choro dum filho a nascer...
Viver a vida um pouco mais devagar, sem a ânsia de estar sempre a partir ou a chegar mas sim aproveitando para saborear e admirar o caminho entre o ponto de partida, que conhecemos, e o ponto de chegada, que nunca iremos conhecer, é uma aprendizagem demorada…
Demora tempo a aprender a esperar…seja o que for… Um aniversário, por exemplo.  Mas, como referiu Kahlil Gibran “As tartarugas conhecem as estradas melhor que os coelhos”…
Porém, o meu pequeno Tigas, não está nada de acordo com o Gibran e, para ele, o aniversário devia vir não a passo de caracol, nem tartaruga nem mesmo a saltos de coelho mas somente a saltos de chita…Depressa, depressa, depressa…
Qual saborear o tempo, qual quê?!!! Ele quer é saborear o bolo de anos decorado com o Faísca Macqueen, apagar as cinco velas de uma assentada e deliciar-se com os amigos a jogar beyblade!!! O resto é…perda de tempo!!!

Claro que faltou responder ao essencial…Afinal que resposta é que eu dei ao Tigas sobre o meu poder de encolher o tempo…
Bem…com tanta divagação que fiz acabei por não dar nenhuma resposta. Na verdade,  encolhi os ombros e motivei uma forte contestação nitidamente desiludida do petiz:
-“Oh mãe, eu acho que vou desistir de fazer anos…. Não, já sei!!! E se eu trocar de anos com alguém!!!! Tu podes trocar os teu anos comigo?”
- O quê????!!! Trocar de anos?
-Sim…Assim eu fazia anos primeiro que tu e depois tu fazias quando eu faço!!!
- Mas isso não é possível Tigas… E, além disso, eu só faço em Novembro…falta-me muito mais para fazer anos do que a ti…
- Oh mãe…Então quem é que vai querer trocar de anos comigo?...

Encolhi os ombros e, rindo-me, respondi:
- Bem…Vou ver se sei de alguém que queira trocar de aniversário contigo!!!!

Aqui fica, então, o apelo “angustiado” de uma mãe:

- Alguém quer trocar de aniversário com o Tigas????

(Só se aceitam candidatos/as cujo aniversário seja anterior a 15 de Março!!!!Aceitam-se propostas e dá-se recompensa!!!!)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Leite em pó!!!!...

"A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos." Montesquieu


Há dias recebi um e-mail que me impressionou particularmente, não tanto pelo conteúdo mas essencialmente pelas intenções claramente xenófobas que o motivaram e o colocaram em ampla circulação.

 O mesmo tinha como intróito: “Olhem bem a táctica dos nossos (com aspas) amigos ciganos. O Sarkozy é que tem razão.” Seguia-se então uma breve filmagem captada por uma câmara oculta duma dita farmácia localizada em Massamá na qual se observada um furto de quatro latas de leite em pó praticado directamente por uma mulher, que as colocou dentro da saia comprida que trazia vestida, e,  indirectamente, por dois homens que aparentemente tinham como função distrair os farmacêuticos e auxiliares.

Não vou aqui defender o direito ao furto que, obviamente, não defendo. Mas, acima de tudo, defendo e vou defender até à morte o direito à vida e à dignidade humana.

Quando vi o referido “filme” confesso que não pensei nos cerca de 30 euros que aquela farmácia ia ter de prejuízo ao fim de um dia de receitas de 36 mil euros (estou a fazer uma generalização baseada numa heurística da disponibilidade pelo que a mesma não é credível. Sei apenas que as farmácias que conheço têm receitas médias diárias que rondam esse valor).

Na verdade, pensei muito mais nas crianças que estavam algures à espera daquele leite.

Podemos chocar-nos com o furto mas não é muito mais chocante saber que vivemos num país onde há famílias que têm que roubar para matar a fome aos filhos?

Não é muito mais chocante saber que há filhos em idades muito precoces em condições tais de pobreza que correm o risco de padecer de fome?

Não são muito mais chocantes os furtos de colarinho branco que se fazem neste país que nada têm a ver com a motivação de dar de comer a um filho mas de engordar a já obesa conta bancária, adquirir mais um modelo automóvel topo de gama para estacionar ao lado de outros doze?

Não é muito mais chocante crimes de pedofilia que saem impunes, crimes de companhias farmacêuticas apagados com chorudos subornos, furtos das próprias farmácias aos cofres do estado (a todos nós, afinal) devido à falsificação de receitas de anti-psicóticos que eram comparticipados pelo estado a 100% visto serem essenciais ao tratamento de patologias psiquiátricas crónicas gravíssimas como é o caso da esquizofrenia?

E saber que, devido à ganância de umas quantas destas farmácias, os doentes que realmente sofrem destas patologias totalmente incapacitantes deixaram de ter a sua medicação comparticipada a 100% e vêm-se obrigados a pagar, por vezes, mais de 100 Euros por caixa de neuroléptico quando a sua pensão de grande invalidez não vai além dos 180 Euros???!!!! Isto não choca???? Por que é que não circula com tanto sucesso????

Por momentos quase pensei na veracidade do provérbio: ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão!!!

Mas depois pensei melhor… De nada nos vale formatarmos o pensamento à lei de Talião: olho por olho, dente por dente!!! Isso só nos leva à cegueira…E a ficarmos mentalmente desdentados!!!

Não é assim que este mundo, esta humanidade evolui…

Mas esta é a minha humilde opinião “darwinamente mokinista” (há pessoas que prezo muito que ainda me chamam Mókina!!! Entre as quais, os meus filhos que, apesar da tenra idade, não vão atrás do rebanho a chamar nomes aos colegas romenos, moldavos ou africanos com quem convivem… Brincam com eles como gostam que com eles brinquem… Tratam como gostam de ser tratados… Respeitam…E o respeito do outro não tem a ver com a idade cronológica mas com a idade mental!!!!).

 Mas há, evidentemente, outras opiniões. E até as posso compreender mas não me peçam que as aceite e, muito menos, que as divulgue como se fossem comummente aceites e, por isso, legítimas.

Continuo a acreditar que há valores que se sobrepõem, que os princípios morais universais se sobrepõem aos princípios individuais e que a moralidade heterónoma é significativamente mais desenvolvida que a moralidade autónoma, a moral egocêntrica, a moral do castigo.

Não faria mais sentido, em vez de se condenar esta mãe, e por ventura estes pais, ou tios, ou primos ou amigos, por furto, olhar para a situação a fundo e perceber o que realmente motiva estas pessoas a roubar? (na verdade, o verbo furtar é mais adequado pois roubar implica violência).

Elas não estão a furtar cremes para a celulite nem pastilhas de supressão tabágica. Estão a furtar leite em pó que, com certeza, não será para se porem a snifar!!!

Por que não usar este vídeo não para incentivar crenças xenófobas mas sim para alimentar sentimentos de humanidade, altruísmo, reflexões morais e sociológicas?

Por que não usar este vídeo para sugerir às farmácias e companhias farmacêuticas que, por exemplo, uma vez por semana distribuam gratuitamente leite em pó em amostras ou similares a TODAS as pessoas, independentemente da etnia, nacionalidade ou legitimidade de estada no país?

E o mesmo se aplicaria aos centros de saúde, maternidades e hospitais… Por que não o leite em pó ser gratuito para TODAS as crianças até aos 6 meses de idade, todas, mesmo aquelas que são filhas de pais sem visto de permanência e em situação ilegítima?

Certamente que muitos furtos iriam diminuir…Certamente talvez não víssemos tantos bebés à torreira do sol ou debaixo de chuva nos semáforos, ao colo de braços que se estendem com a “Revista Cais” na mão,  ou o “Borda D´Água” ou um pacote de pensos rápidos à espera de uma moeda…

Pensos rápidos…
Realmente é o que mais precisamos!!! Porque se os preconceitos, as generalizações estúpidas e/ou ignorantes e/ou maldosas os ferem, a eles, a eles que pedem, a nossa falta de humanidade, o nosso “olhar para o lado”, o nosso fechar o vidro, o nosso rir das tácticas de furto optimizadas para furtar leite em pó para calar o choro faminto dos filhos deveria ferir-nos muito mais!!!!

E talvez um “penso rápido” não chegue… É preciso um “pensar devagar” em todas estas questões!!!


(Sei que, no fim da leitura deste post talvez aqueles que me conhecem me considerem ainda mais ingénua,  ainda mais utópica, mais…Não sei.
Pensem o que quiserem pois felizmente todos temos liberdade para pensar porque ainda estamos suficientemente nutridos para o fazer…
Talvez até perca alguns amigos, gere desilusões… Compreendo...Não julgo ninguém, apenas exprimo a minha opinião…Continuo a achar que há romenos e romenos assim como há portugueses e portugueses assim como há ciganos e ciganos. E, acreditem, por experiência própria advinda das consultas e prática clínica, vos asseguro que há ciganos que não são nada “ciganos” no sentido pejorativo da palavra. Mesmo nada.  Acho que, em suma, há pessoas… Pessoas que são levadas a atitudes extremas porque também são alvo de medidas extremamente ignorantes, por vezes alvo de maldade extrema ou de situações de extrema precariedade económico-social.
 Esta é a minha opinião. Opinião que se torna cada vez mais forte à medida que sei o quanto tenho a sorte de não ter (ainda) que furtar nem fugir aos meus princípios para alimentar os meus filhos… Mas qualquer dia, como as coisas estão, não sei… Com a Galp a ter 360 milhões de lucro num ano de crise e eu a ter que forçosamente levar o carro para Lisboa porque tenho horários perversos de trabalho, tenho que levar os meus filhotes ao infantário que fica a 10 km de casa para depois fazer mais 70km para ir trabalhar, todos os dias…Não sei, não!!! Qualquer dia vão ver-me de saias bem compridas!!! ) 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cancro rosa ao peito


O diagnóstico veio dias depois, poucos, de viver a sua primeira paixão de…Inverno.
O gelo das palavras ditas pelo colega de ginecologia solidificaram-lhe o coração quente pela emoção de, pela primeira vez, ousar render-se ao presente, ousar viver um pouco sem as correntes dos princípios, ousar principiar-se sem fim… Mas foi exactamente a sensação de princípio do fim que lhe surgiu quando ouviu: Carcinoma…Fase II… Cancro da mama.
O choque tornou-a momentaneamente irracional. A sua postura sempre tão certa, sempre tão segura, diluiu-se em lágrimas e soluços…
Poderia mesmo estar a acontecer-lhe? A ela? A ela que nem fumava, que nunca se embriagara senão de emoções por ser tão intensa no viver e no dar, ela, que tão raramente adoecia, que tinha notável resistência, que passara quase metade da vida longe das loucuras e próxima dos livros, que praticara sempre desporto, que não se dava a excessos a não ser de afecto???…
Era a ela, sim, era a ela que o cancro rosa vinha tocar…
Claro que havia muitas outras elas, não era a única, claro, sabia-o…Mas, naquele momento, estava mais só que nunca…Era só ela e o que queria tirar de imediato de dentro de si…
Pediu a veracidade em relação ao futuro…com gelo. E com gelo ela lhe foi servida: temos que operar…primeiro, excisão do tecido cancerígeno na mama direita e nódulos linfáticos. Não sabemos se mastectomia…mastectomia.
Por ironia ela, sempre tão obsessiva na ortografia, escrevera mal, pela primeira vez, esta palavra num exame: masteocotomia. E, desde aí, sempre que a tinha que escrever, escrevia-a mal, talvez despropositada pela ansiedade ou propositada pelo destino, não se saberá. Mas era  como se a quisesse pronunciar lentamente. Como se, já antes de a conhecer na primeira pessoa, a quisesse pronunciar com o pensamento, mastigar, digerir…
Radioterapia? – Pôs de imediato na mesa a pergunta que, um segundo depois, lhe pareceu retórica. Mas como nenhuma pergunta é tão difícil quanto aquela cuja resposta é óbvia, o colega demorou na mesma, talvez já rendido àquele olhar solícito, longo, denso, que lhe pedia um não a saber que sim.
O sim veio nas entrelinhas dum eufemístico: “é quase certo!”… Ficou por ali. Imaginou-se de imediato deformada, sem o seu cabelo longo, sem pêlos, sem mulher fora e dentro dela. Mesmo que, mais calma, pensasse que talvez nem viesse a ser assim, era assim.
E despachou-se a resolver a data da operação, em Fevereiro, depois de aprontar notas, trabalhos por entregar, trabalhos por fazer. Demorou-se, muito, mesmo muito, no contar…
Contou apenas a três pessoas… Nenhuma delas óbvia. A última, aliás, foi a pessoa que tinha conhecido no final e princípio dos anos, o anterior e o presente, respectivamente.
Pessoa que a tinha feito sorrir, rir, brincar, que lhe tinha tirado o fôlego. Pareceu-lhe verdadeira a frase de que a vida não deveria ser medida pelo número de vezes que respiramos mas pelos lugares e momentos capazes de nos tirar o fôlego…E ele parecia tão boa pessoa. Tão meigo, doce. Mas complicado. Abandonante. Fugitivo.Fugidio. O sentimento de desamparo foi-lhe ainda mais pungente quando lhe entregou, em palavras, ao telefone, a razão de ser de, de repente, ela, fugidia também, se mostrar mais solícita, irracional, às vezes, pouco paciente, tanto.
Contou-lhe o diagnóstico sem conseguir conter as lágrimas…E foi ao ponto de, pouco mais tarde, lhe pedir o “impedível”, mesmo sabendo que iria deitar tudo a perder. Mas, como não se pode perder o que já está perdido, resolveu pedir. Pedir que naquele dia não houvesse impossíveis, só amor. Mas não houve o último e houve, como já era hábito, o primeiro.
A sensação de ridículo, mágoa, cansaço, estupidez, desistência definitiva, tocou-lhe como uma flecha. Abriu-se-lhe os olhos para o evidente, que sim, que há pessoas assim, que o mundo lá fora não é generoso nem justo como imaginara, que cada um vive para si e consigo e mais nada.
Felizmente, desistiu…Ou renunciou…Ou deixou…Ou…desinteressou-se.
Fez as pazes consigo própria: antes ser a flor pisada que o pé que pisa. Não se arrependera de nada mas também não desejava mais nada vindo dali. Jardim encerrado.
Concentrou-se em voltar à vida antes de a poder perder também. Havia tanto que valia tão mais a pena, tão mais o interesse dela, a atenção dela, o afecto dela.
Olhou em volta e viu as pessoas que lhe enchiam a vida e, verdadeiramente, a enchiam de vida. E, essas sim, valiam a pena, podia contar com elas incondicionalmente. Essas não lhe iriam dar impossíveis, só amor…
E, na verdade, sentiu-se e soube-se tão profundamente amada…
Continuou a acreditar que, enquanto houvesse estradas para andar, iria continuar.
 E decidiu-se por fazer valer cada dia neste mundo já que, como lhe diria uma amiga, mil no outro de nada valem. ..
E seguiu, ainda com o cancro rosa ao peito, mas sem deixar que ele lhe fizesse a vida negra…


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Dormir na Lua!!!...

“Mãe, podemos dormir na Lua?”


A sugestão surgiu assim…inesperada!!! De olhos postos no apetecível satélite que, hoje, se visualizava deitado no céu em forma de cama, a Bia suspirou a pergunta…

Apetecia-me responder-lhe que sim, que tinha tirado o Brevet de foguetão e hoje, podíamos ir lá dormir…Só para variar!!!!
Apetecia-me responder-lhe que até podíamos tomar lá o pequeno-almoço, que pegávamos nos pijamas e nos ursos e nas almofadas e…Bóra prá Lua, malta!!!
Apetecia-me responder: “Sim, Tiago, tu também podes vir mas não podes levar os beyblades! Os lunáticos ainda te ficam com eles e, quando regressares à Terra, já não te compro outros!!!
Apetecia-me responder: “Bem, vou pensar! Vou pensar se podes levar os Gormittis!! Mas tenho receio que algum E.T. se assuste!!! Ai filho, não podias gostar duns bonecos mais girinhos??? Esses estão sempre com cara de mauzões!!!!!!! “Não mãe, eu gosto destes “poque” eles “sobeviveram” ao “meteôíto” que matou os “dinossauos”!!! Eles são “fotes” e não são maus, sabias???””Não, não sabia…Mas não quero ser responsável por um ataque cardíaco, em plena Via Láctea, de algum extraterrestre…Não saberia como fazer um RCP! Bem, se calhar nem seria preciso se a criatura não tivesse coração!!! Não que fosse maldosa mas…”Oh mãe, vá lá!!!!”” Não…O foguetão já está cheio de tralha!!! Qualquer dia, confundem-no com a Toy´s-R-Us!!!”

Apetecia-me responder tudo isto…Mas, claro (?), não respondi…Limitei-me a ficar com a minha pequenina ao colo, de nariz colado à janela, a ouvirmos Mozart para…adormecer!!!

Confesso que também me apetecia ir à Lua…A esta Lua… À Lua de Hoje…Aquela que nos convida a deitar-nos sobre si…curva…fina…branca…Linda.

Apetecia-me hoje como me apetece tantas as vezes quantas aquelas em que já lá tenho a cabeça mas com os pés bem assentes na Terra!!!! Não saberia tão bem deixar de ter sempre os pés assentes e simplesmente estar na Lua…com o corpo todo????
Afinal, se já é tão bom andar com a cabeça na Lua, com a cabeça nas nuvens, quão melhor será se formos com cabeça, tronco e membros???
Mas, quanto mais a idade avança, mais a gravidade nos puxa (talvez porque o peso, como o Super-Ego, se adensam!!!) e mais os pés…assentam!!!

Mas sim, Bia… É uma boa sugestão… Podíamos ir lá dormir uma noite, amanhecíamos com o Planeta (ainda) Azul na esfera do olhar e, se nos “desse na telha”, ainda ficávamos para almoçar…Depois vínhamos…cedo…para não apanhar trânsito…Que a 2ª circular espacial é terrível!!! Pior que a terrena numa segunda à hora de ponta!!!
O quê??? Amanhã já é segunda???!!!  EU QUERO IR PRÁ LUA!!!!!