quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O sol entre as mãos...


Du gleichst dem geist den du degreifst.*
                                                  Goethe


 Viver pode ser um verbo simples… Fácil de conjugar, até. Com felicidade leve. Daquela que existe só por se existir. Num mesmo Tempo. Num mesmo Espaço. Na mesma humanidade. Para lá dos compromissos profissionais. Para lá das lutas políticas. E religiosas. E profanas. E mundanas. E imundas.

Viver pode ser simples… Mas no atropelo dos dias, não é. Viver chega-nos  como um verbo ofegante, carregado de pretensões insaciáveis, responsabilidades sempre urgentes e sempre indeclináveis e a desapossar-nos, imagine-se, da essência dele próprio, ou seja, da vida que nos pertence… Em suma,  chega-se-nos inconjugável…

Vivemos certos paradoxos que poderiam até ser curiosos se não tocassem, por vezes, o bizarro: Se é verdade que, por um lado, vivemos numa contínua correria “vital” na qual engolimos dias, horas e minutos  numa espécie de “fast-food daily-life” sem disso retirarmos qualquer prazer essencial ou mesmo qualquer evolução fundamental, numa espécie de retrocesso neodarwiniano, o certo é que, por outro, vivemos submersos  numa espécie de ilusão neurótica  de intemporalidade. 

Todos corremos mas, paradoxalmente, todos adiamos. Todos adiamos afectos, todos adiamos sonhos, todos adiamos vidas exactamente porque vivemos nessa absurda ilusão de que lá para a frente, não sabemos quando nem onde nos esperam dias ou minutos gourmet.  E nisto, conscientemente insatisfeitos mas funcionantes, impotentes para mudar o presente mas com uma espécie de ilusão omnipotente em relação ao futuro, vivemos a adiar-nos, a adiar calmas, gentilezas, demoras no estar, a adiar o tempo e os tempos para os outros, as conversas, os abraços, um pousar de silêncios e olhares sobre um mesmo pedaço ou instante do mundo, os sorrisos sem horas contadas, o amor até. Vivemos a adiar o melhor da nossa humanidade ad eternum, a refugiamo-nos nas nossas vidinhas esgotantes e esgotadas, apressantes e apressadas, cada vez mais diminuídas dentro do cansaço dos relógios e dos batimentos cardíacos para lá de acelerados que, tantas vezes, rebentam e ferem a alma de quem mais gostamos... Vivemos, tantas e tantas vezes, contra-natura, contra nós e contra os outros e, sobretudo, contra o melhor que podemos ser. 
Este paradoxo leva a que, muitas vezes, ao invés de crescermos por dentro e nos prolongarmos na simplicidade e autenticidade dos afectos, nos diminuamos e isolemos na complexidade das  zangas que, essas sim,  adiam e afastam, por vezes aburda e irreversivelmente, o melhor de nós e que, no fundo, se comparadas com o tanto que temos cá dentro só nos deveriam serviar para aprender que a verdadeira zanga que vale a pena é...zangar-nos com a própria zanga! 

 Não é que a vida, ela própria, não se queixe!!! E que não se esforce por nos abrir os olhos!!! Ela bem nos surpreende!!! E muitas vezes com oportunidades únicas de mudança!!! Ela bem nos desafia!!! Ela bem nos confronta ora com situações ou coincidências únicas, ora com dilemas mais difíceis de resolver do que a equação do teorema de Fermat, ora com aquilo que é pegar ou largar!!! Mas estamos tão ancorados ao familiar e à ideia que temos de nós próprios ou do que a vida deve ser que não concebemos nenhuma hipótese de mudar ou de viver uma situação diferente. Outras vezes, permanecemos ancorados por medo das tempestades, o que acaba por não nos permitir antever quaisquer raios de sol.

Mas a verdade é que se vivermos ancorados nunca chegamos perto de nenhum horizonte senão o do próprio medo que, ele sim, nos encurta e escurece cada vez mais a retina e a alma. E a vida não só tem muitos futuros como pode ter muito mais vida para lá da vida  que lhe damos. O verbo viver é, apesar de singular, cheio de pluralidades, ainda que de duração única e limitada… E é, por isso mesmo, que faz todo o sentido agarrar, com um genuíno olhar de maravilha, cada raio de sol que nos vem parar entre as mãos.

Porque o que realmente faz demorar uma vida, seja dentro de um relógio seja dentro de um coração, é a dimensão da nossa vida interior…E essa, constrói-se quando verdadeiramente convivemos com o essencial…Constrói-se nos tempos reais da relação com os outros.  Constrói-se na experiência de comunhão. De bondade. De autenticidade. Constrói-se sempre que nos comovemos, sempre que amamos, criamos, sofremos, partilhamos, alegramos, entristecemos, falamos, silenciamos, reconstruímos, melhoramos e crescemos dentro do nosso tamanho… Viver pode pois, e deve ser, um verbo simples… De sol feito. Entre as mãos.
 *Assemelhas-te ao pensamento que concebes.
 

                                      

 
                                           http://youtu.be/IyCRJmerW1Q