domingo, 28 de abril de 2013

A arte de gerir distâncias...e eternos segundos.




Parece quase um oxímoro mas é uma grande verdade: duas pessoas só crescem em intimidade quando, juntas, se respeitam na distância...

.... e se comovem na beleza de um segundo.

O afeto genuíno só se constrói forte quando, na pluraridade das diferenças, se respeitam singularidades e espaços de ser …


Amar o outro envolve, acima de tudo, esta minuciosa arte de gerir distâncias…. Envolve saber estar perto mas não ao ponto de  sufocar… E envolve saber estar longe mas não ao ponto de abandonar… 

Por isso, amar exige sempre a alma sensível do artista e a árdua precisão do engenheiro. Ao mesmo tempo, exige a inspiração do poeta e o fôlego cardíaco do atleta.

Porque amar é também a capacidade constante de nos comover-nos…de mover-nos com... seja na subtileza de um segundo...ou dum minuto...ou duma vida inteira. 

É comunhão de transparências, sensibilidades, olhares, visões do mundo e espontaneidades de dois seres que se movem ao mesmo tempo, em sintonia um com o outro e um para o outro.

Dois seres que, num mesmo percurso (e, por vezes, num feliz acidente de percurso!) se encontram a meio dos gestos, a meio duma palavra que se quis silêncio, a meio dum respirar de alma, suave e quente, dum olhar que se quis quieto e calmo, dum momento que se quis demorado e longo…

É sempre um crescendo de intimidade, de afeto e beleza quando duas pessoas se comovem juntas e, principalmente, se comovem uma com a outra, mesmo à distância, com aquilo que levam uma da outra dentro de si, …. No sentido em que se sintonizam com o mais fundo do outro…e de si próprias.

E são, frequentemente, essas pequenas grandes coisas que mais valor têm…e que não se podem comprar. Aliás, normalmente só tem incalculável valor o que não se pode comprar! Pode-se comprar morangos mas não se pode comprar os morangueiros em flor no campo em que florescem… nem a delícia dos lábios a saborear o vermelho do fruto. Isto não tem a ver com dinheiro. Pode-se dar dinheiro por coisas que têm valor. Uma fotografia, por exemplo, tem um custo, mas o seu valor está onde ela não está, na mistura entre o momento e o sonho que nos agarra quando a vemos. Também assim é o amor.

E por isso podemos amar o outro nas pequenas grandes coisas… Que não têm preço… porque são elas, quase sempre, que nos comovem. Amamos o outro na bondade tornada gesto ou atitude, amamos o outro na beleza tornada palavra, amamos o outro no cuidado, num timbre de voz, num sorriso musical, numa curva de lábios, num olhar com poemas dentro, num coração feliz inundado de sol, numa pele a cheirar a manhãs de luz e verão, num segredo misterioso e belo de ser que se entende sem se dizer, num equilíbrio de alma que não sufoca...
Amamos o outro, sobretudo, na sua capacidade de tornar o tempo mais tempo e de tornar a  vida mais viva... De dar, em suma, mais beleza a cada segundo nosso. E com isso o encher de...eternidade. 




 
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Nice is so...nice!

"Quoi que tu fasses ou rêves de faire, commence!
Il y a dans l´Audace, du Génie, de la Puissance et de la Magie..." 
Goethe
 
São 7.15h da manhã em Nice…À saída do hotel Magnan, as gaivotas entram devagar pela pupila, fazendo esvoaçar os últimos restos de sono que trago presos ao olhar. Devagar, também  todo o azul entra. Por fim, o mar. E um sorriso de sol, já perto da paragem de autocarro que me levará para mais um dia no XXI European Congress of Psychiatry na Acropolis, do outro lado da cidade.
 
Na paragem, e enquanto me sento, reparo no slogan interrogativo do anúncio do outro da estrada:   Qu´est ce que est indispensable et souvent incompréhensible?  
Tanta coisa…penso. Por exemplo, a capacidade de nos encantarmos por uma cidade.

Ou, em maior dimensão, a capacidade de nos encantarmos por uma pessoa, por um projecto, por um sonho, pelo conhecimento, pelo mundo, por nós próprios e pela própria vida!...

 
A nossa capacidade de encantamento é, de facto, indispensável para nos sentirmos vivos e genuinamente humanos. 

Mas é, igualmente, incompreensível!

A experiência de encantamento é tão maravilhosa quanto inexplicável analiticamente.
Ninguém sabe, por exemplo, porque é que se encanta por certa pessoa e não por outra...É sempre no plano do incompreensível que tudo acontece! É um misto de voz e cheiro e alma e temperatura e subtilezas várias e palavras a condizer com o estado do coração a dizer: Bem vindo ao meu ser! Ficas-me bem! Gosto de ti comigo e de mim contigo!


O encantamento por uma cidade é semelhante! A cidade e o viajante quando se encantam mutuamente é porque ambos condizem um com o outro!


E Nice é daquelas cidades com a qual sabe bem condizer...
Toda ela é leve, um sorriso de sol e luz azul. A simpatia em flor e aroma doce.
 
Arrisco a dizer que o que nos faz gostar de uma cidade, o que nos encanta à primeira, à segunda e à terceira vista, o que nos faz  passear-lhe nos braços, render-se à companhia, é, em muito, semelhante ao que nos encanta numa pessoa… Uma cidade capaz de me encantar é, acima de tudo, uma cidade que me acende sorrisos…
 
É uma cidade capaz de sorrir em dádiva e sonho com todo o seu ser …É uma cidade que alimenta a alma do viajante mais do que a explora… É uma cidade que lhe dá a força que o conduz a vivências únicas, a lugares inesperados, onde ele encontra sempre mais alguma parte de si próprio. É uma cidade que ilumina corpo, alma, olhar e pensamento.
 
É uma cidade que se sabe tornar cada vez mais bonita e sabe como nos tornar bonitos. É uma cidade que nos sabe falar nos diferentes dialetos do coração e do olhar. É uma cidade que sabe o valor das pausas e do silêncio… E o valor da História e das histórias. E dos destinos ideais que se transformaram em destinos vitais que são, no fundo, os de todos nós. É uma cidade que respeita. É uma cidade que em vez de puxar nos dá a mão… Em vez de prender, seduz.
 
Nice é assim…
Dizem que para atingir o encanto de Viena lhe faltaria a elegância da música. 
Mas... haverá maior elegância do que ter um rendilhado de mar, espuma e horizonte a bordar-lhe um rosto azul?