“Por vezes, o fracasso é uma opção…mas o medo não.” James Cameron
“Todas as crianças sonham ser campeões mas também todas elas têm o direito de o não ser!” Hugo Lopes
Ele estava ansioso por aquele dia…Com o tamanho dos seus quatro anos, contava para além de quinze os dias que faltavam para o Torneio de Natal na Playhouse, onde iria jogar com as equipas do Benfica, Sporting e Porto.
Contou à família toda, aos amigos, aos desconhecidos, colocou o panfleto a anunciar o importantíssimo torneio no infantário, enfim… Com as palavras ainda a precisarem de arestas, típico dos quatro anos, anunciou aos quatro ventos (e cinco e seis e sete e oito…) que andava no futebol e que a sua equipa ia jogar contra (ou a favor!!!!) o Benfica (o seu clube do coração, e da alma, e do estômago!!!), o Sporting (que, para ele, vem de Espanha!) e do Porto (que vem da África do Sul!!!!). Ele queria estar lá, iria jogar, iria marcar duzentos e mil golos, até na própria baliza ou com a mão se preciso fosse (técnica pela qual ele é, aliás, distritalmente conhecido!!!!).
Os dias foram passando à velocidade dum chuto ronaldesco. Até que chegou a semana que incluía o Sábado do ansiado e proclamado Torneio.
Na Segunda começam então as cólicas, as dores de barriga, o “não quero ir à escola (infantário)”… “Porquê Tigas?””Poque a carne da escola não tem vitaminas e eu preciso ficar forte…É melhó eu ir pá vó Bia poque lá a chicha é boa!”; Terça: vómitos, dores de barriga e o “hoje não posso mesmo, mesmo, mesmo ir à escola”…”Porquê Tigas?””Poque eu choro, eu tenho que chorar e lá não me deixam chorar e zangam-se e gozam comigo e não me deixam sossegado”.
Quarta(FERIADO): estávamos a ver o Yacary e surge uma família de castores em que o castor pequenino começa a chorar assim que vê as folhas das árvores caírem, no Outono, e, a partir daí, chora todos os dias, nada o anima e não quer sair da toca. Os pais castores, preocupados, vão pedir ajuda ao castor ansião que lhes diz: Ele tem a doença da melancolia!” Comentário do Tigas, a agarrar-me o braço, muito inquieto: Mãe, é esta doença que eu tenho! Eu apanhei o virús da “meancolia”! Percebes poque é que eu não posso ir à escola?”. Quinta: casa da avó Bia, o dia todo feliz, a jogar ao pião com a bisavó (ou melhor, aos piões, dois “Beyblades” que giram que se fartam e que são tão giros quanto caros! Atenção: para quem quiser, é verdade que se pode viver sem os verdadeiros e os do chinês são muiiiiitoooooooooooo mais baratos mas…não são a mesma coisa! E os pestinhas, só com 4 anos, não se deixam enganar e reclamam a diferença!) Sexta: casa da avó de manhã, mãe e treino à tarde. Tudo bem! Tudo óptimo. As dores de barriga são uma miragem, os chutos estão potentes, o miúdo parece não ter virús nenhum da melancolia e parece, isso sim, ter sido contaminado, novamente, como é típico nele, pelo virús da…Alegria.
Finalmente, Sábado, o GRANDE DIA!!!!
De manhã, tudo impecável…Só falava no jogo, que não queria chegar atrasado, que queria o penteado “à Cristiano Ronaldo”, que tinha que ir já equipado (faltavam ainda cinco horas!!!)…Pôs-se o gel para fazer a tal “crista”, empinocou-se o “galaró” com o equipamento principal, confirmou-se que os avós todos iam assistir, inclusivamente o avô Quim, de 90 anos (que faz hoje, dia 7 de Dezembro, 91!Parabéns querido sogro!!!! Adoro-o!!!). Chegados ao local: a mana Bia, de 3 anos, a dormir no carro…O mano Xavier (que fez ontem 19 anos… Parabéns já dados mas, como nunca são demais, parabéns outra vez, principalmente por seres realmente fantástico!), que pacientemente ficou a tomar conta da mana. O Tigas a correr para o campo, a dizer que ia atrasado, eu com mil e um casacos e máquina fotográfica e carteira e lancheira e garrafa de água e tudo e tudo e tudo…
Entramos no pavilhão… A visão entope-se com a multidão de “adeptos”, equipas, treinadores, ajudantes, árbitros, música da UEFA, cheiro a bifanas e chouriços, etc, etc…
A “casa” onde já tantas vezes o Tigas treinou, chutou, brincou, lançou, jogou, marcou , é-lhe, agora, desconhecida. Procura incessantemente, cortando a multidão cor de laranja, verde, vermelha e azul, o Miguel, seu treinador do coração (que adora até mais não!!!!). Não o vê a “dar mais cinco” como é costume mas de microfone à beira dos lábios, a anunciar o início do Torneio.Tenta dar-lhe a mão mas é tanta a confusão que a perde…
E perde-se. Tenta juntar-se aos colegas de equipa mas não consegue porque os colegas estão a jogar aos encontrões. Vem para ao pé da mãe. A mãe incentiva-o a ir para o pé dos colegas. Ele vai e volta para o pé da mãe, a mãe, qual bola de futebol, chuta-o suavemente para ao pé dos colegas. Ele vai e volta para o pé da mãe… O “Tigas-bola” continua a rolar, da mãe para os colegas… até que o mandam alinhar. Vai em segundo lugar na fila da equipa.
O treinador Miguel vai anunciando, alternadamente, o nome de cada mini-mega jogador, entrando estes no campo e alinhando-se horizontalmente num arco-íris de quatro cores. Chega a vez do Tigas… Começa a correr para o campo, pára, olha e recua… Começa a chorar efusivamente, intensamente, ansiosamente, imparavelmente… Ainda o tentam deter, convencer, animar… Infelizmente, a boa-vontade era imensa mas só o faziam piorar… A mãe??? A mãe???? E a mãe vai e a mãe vem… com ele agarrado à perna. Pega nos seus vinte quilos ao colo e enxagua, primeiro com a manga e depois com o pacote de lenços inteiro, seus quarenta litros de lágrimas. O Tigas não mais quis voltar para o campo. Mas também não se queria retirar. Queria simplesmente ficar…só a ver. Todos o tentavam convencer. “vá lá, tu és o nosso herói””então tu jogas tão bem, vai lá jogar””Oh Tigas, isto nem parece teu…Tu gostas tanto do futebol…Até marcas golos com a mão… vá lá, pai para ao pé da tua equipa”, dizem e repetem-se várias vozes… O choro acentua-se… A tensão também… Acabo por sair… mas ele quer voltar. Só não quer entrar no campo. Até que quarenta minutos de lágrimas depois, vêm o Ducas, o Tiago e o Mota. Bem mais velhos que ele mas só eles capazes de ficarem ao seu tamanho… Só eles sabem como conversar com o Tigas, como brincar com o Tigas, como convencer o Tigas a entrar no campo e a ficar com eles, fora das quatro linhas, a jogar… Qual mãe, qual quê… Ele é remates, ele é fintas, ele é toques de calcanhar, acompanhado pelos três mosqueteiros que tão bem o sabem incentivar…
Entretanto, a mana acorda, o mano mais velho trá-la para o pavilhão, a garota não se assusta com o barulho e a música alta, bem pelo contrário, e começa a dançar, e diz: “isto aqui é tão bom!” e depois pede batatas e depois lambuza-se com as primeiras bifanas no pão que comeu na vida!!!!
O torneio está prestes a terminar. Dá-se uma ajuda a carregar os presentes que todos vão receber!!!! Todos, menos o Tigas que, chegada a hora de acabar e ir receber o seu presente, volta a chorar e pede para se ir embora. Vamos… No carro, diz, soluçando: “Eu hoje só queria jogar ao pião, não queria jogar à bola!”
Chegado a casa, despe-se do equipamento e das lágrimas. Deita-se no sofá, tapa-se, agarra no pião e encosta-o ao coração… Desabafa: “Sabes, mãe, aqueles meninos eram muito grandes e aquelas bolas hoje estavam gigantes. Se eu levasse com uma podia morrer, sabes? E eu quero ainda jogar muito ao pião. Tu não ficas zangada, pois não?””Claro que não. Eu gosto sempre de ti, quer jogues à bola ou não!!!!” E fui a correr para o quarto para enxugar, entretanto , umas vinte e tal lágrimas teimaram jorrar e não se conter no poço do coração.
Afinal, quer tenhamos quatro, cinco, seis, doze, catorze, trinta, quarenta, cinquenta, setenta ou noventa e um anos, há sempre um dia em que não queremos ser campeões, em que não queremos ser os condutores mas os peões. E todos temos o direito a essa opção.
Porque, na verdade, independentemente da idade, todos nós temos dias em que não queremos fazer girar uma gigante bola… mas sim um minúsculo pião!