sexta-feira, 17 de junho de 2011

O teu Nordeste...

Querido Pai…

Toda a terra da minha alma estremeceu em mim esta manhã quando soube  tinhas ido para o hospital… Talvez porque a doença seja um território tão raro em ti, a ponto de quase o desconhecer,  senti o tumulto do susto e do medo.
Senti, epicentralmente, a fragilidade do adquirido, senti o quanto tu, sempre tão forte, tão determinado, tão presente na minha vida, poderias um dia, um dia, qualquer dia, estar ausente…
A ideia arrepiou-me como uma brisa de Janeiro em pleno Junho. Tu, que, de mão e braço e coração dado à mãe, sempre soubeste ser o meu Norte.. E Sul e Este e Oeste…Tu, que sempre foste a minha referência de vida, de pensamento, de valores...Os meus pontos cardeais...e vitais. E que soubeste, como ninguém, personificar, com a tua carismática e magnífica personalidade, o TEU (e, mais tarde, NOSSO) NORDESTE açoriano…
O Nordeste dos teus Açores…O Nordeste da tua amada e natal ilha de São Miguel…
 Porque só tu, tal como o Nordeste único que  me soubeste mostrar em cada quilómetro quadrado de calma, és a junção do esplendor das altas arribas da costa nordestina, medidas com o olhar no adro da Igreja da Achada, quando revelas toda a tua sabedoria, lucidez intransigente e clarividência, aliada à tua demorada ternura e extrema delicadeza, toda ela tão condizente com os entardeceres no porto da Caloura…
Por vezes, és reflexivo, contido, denso e silencioso, como as extensas matas de Criptomérias da Tronqueira…
Outras vezes há em que te revelas tão sorridente, em que ris tanto, sorris e encantas com as palavras com uma boa-disposição tão social e contagiante que faz lembrar os bailados das gaivotas na sua pesca vespertina. Ou mesmo o sonoro e alegre regresso aos ninhos dos canários, tentilhões e melros aquando do ocaso na zona do Castelo Branco.
Raramente, mas só muito, muito raramente, te vejo irritado. Só ferves como as fumarolas das Furnas quando te apercebes de alguma injustiça…Particularmente de patrões para com trabalhadores… És uma pessoa justa e bondosa até à medula, pai… E é tão injusto que estejas agora a sofrer…
Sei que não posso evitar nem amenizar essas dores tanto como gostaria… E sei que, por agora, terás que repousar muito…Se não, sabes o que me apetecia???? Pegava em ti e na mãe (depois dela acabar o último exame) e nos teus netinhos e embarcávamos para São Miguel… Gostava imenso…Mas não posso porque tu não podes…
Como também não posso trazer até ao teu olhar os 745km2 de São Miguel.
Mas, em alternativa, levar-te-ei hoje, além de revistas para entreteres as vistas, a certeza que és o melhor Pai do Continente e Ilhas!!!!
E levo-te o que guardo ainda em mim do teu, que é já nosso, Nordeste!!! Levo-te as memórias do mar que lá se interrompe nas escarpas… Levo as ruelas…Levo os lugares, cantos ,recantos e momentos raramente inclusos nos roteiros turísticos.

Levo o cheiro forte, persistente, a mistura de dez, cem, mil essências… Levo as manchas esparsas de poejo, macela, murta, giesta… Levo as Uvas-de-cheiro que sabem ao cheiro que lhes dá nome…Levo as casas solarengas, algumas quase dos finais do Séc. XVIII…Levo as tuas citações sempre pertinentes do cronista Gaspar Frutuoso.
Levo as Lagoas. Levo o olhar encharcado de espanto.

E levo o que sempre me ficou e agora se me reinventou… O que só os Açores têm e que deveria ser Património da Humanidade!!!! Aquele azul e verde!!! Aquele azul e verde que ficam para sempre na retina do olhar e se multiplicam no coração da memória em reinvenções de harmonia cromática…Combinações de verde que só se encontram na alma e no olhar dos Açores… E nas pontas da Madrugada e do Sossego.

Levar-te-ei tudo isso para saberes o tanto e tão belo que tens deixado em mim…Fora o resto…Que é tanto!!!
 Adoro-te Pai!!!!
E melhora depressa!!!! Temos ainda muitas viagens para fazer!!!!
Até já!!!















sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sem palavras...

Ex abundanctia enim cordis os loquitur…

Há pessoas assim… Raras…Muito raras… Pessoas que nos deixam sem palavras… Pessoas que nos deslumbram, encantam, fazem rir e sorrir e voltar a rir, pessoas que nos emocionam pelo tanto que nos dão e pelo tanto que…são!!!!
Pessoas que nos fazem sentir vontade de sentir... E vontade de dizer…tanta coisa... E, talvez por isso mesmo, nos esgotam adjectivos antes mesmo deles ousarem vibrar as cordas vocais… De facto,  quando o deslumbre é grande, a palavra fica sempre aquém… É a vida que vale… O momento…A fotografia tirada com a alma…com o corpo…com o coração… com o nosso ser inteiro…
As pessoas que nos deixam sem palavras são essas raras pessoas que nos falam com uma musicalidade única, uma prosódia diferente… Terna. Sábia.

São essas raras pessoas que às paisagens já gastas, lhes acrescentam outras cores, outras flores, outros contornos…Que lhes acrescentam planícies, se estivermos cansados de subir montanhas, que lhes acrescentam vales, se quisermos rebolar na relva, que nos fazem um convite aos olhos para nelas voltarmos a passear…

São essas raras pessoas que, tão natural e espontaneamente, nos puxam a alma para dançar, que nos entrelaçam os dedos ao coração e que dão às razões da vida outra nova Razão…
São pessoas que sabem Estar de uma forma maravilhosa… Que não precisam de se fazer notar para se fazerem distinguir… E são, de facto, muitas vezes nos gestos mínimos,  pessoas tão distintas… Na forma como estão com os outros e com elas próprias…  Na forma tão bonita e simples e elegante e generosa e bondosa como tratam os outros… Na forma como são…Como sabem ser… Em todos os momentos… Nos momentos triviais ou complexos… Seja num simples pedido de maionese ou debaixo de uma ameaça de temporal e inundações… Mesmo aí, a genialidade mantém-se… a calma…o cuidado…a preocupação com o outro…a meiguice…a boa disposição… Tudo, enfim, o que as torna tão…Especialmente Speachless!!!!
São pessoas de alma e olhar cheio… Um olhar denso, por vezes onde cabe todo o Atlântico…Outras vezes, um olhar tão transparente e terno como as ondas que se espraiam na Arrábida…
São pessoas de alma plena que, em breves momentos, nos revelam certezas de uma vida inteira…

São pessoas que nos aparecem na vida como que por milagre…Podem ficar ou não… Talvez isso não seja o mais importante… Importa que apareceram…Que estão…Que, quando estão, nos dão momentos que têm o sabor da eternidade.  E que, quando estão, têm uma capacidade única de nos deixar uma maravilhosa sensação de paz … Tão diferente…E tão simplesmente por…existirem. É uma sensação muito boa.  É revelador quando estamos perante alguém com quem sentimos uma sensação imediata de que não é preciso acrescentar nada…nem tirar nada…nem mudar nada… Está lá tudo.

Isto impõe uma breve reflexão porque, efectivamente, tantas relações há em que as pessoas parecem mais decoradores de interiores do que propriamente parceiros de uma relação: sempre a tentar mudar as peças do sítio, sempre a tentar mudar o outro…sempre em permanentemente estado de insatisfação… nada mais triste!!!! Quantas e quantas vezes se muda o exterior numa necessidade imensa de mudar o interior… Tenta-se mudar o outro incessantemente, moldá-lo aos nossos desejos quantas vezes insensatos…Mas será que o outro que estará assim tão mal????? Será que o outro precisa de tanta remodelação????

Não será que seremos nós meros arquitectos frustrados que aprisionamos o outro ao nosso próprio projecto interminável? Quantas vezes, nas relações, não se age absurdamente como se fossemos um náufrago do Titanic em que, mesmo sabendo que o navio está a ir ao fundo, só nos preocupamos em arranjar a disposição das espreguiçadeiras???? Preocupamo-nos com a aparência exterior, em pôr tudo bonito aos olhos dos outros, negando que o próprio navio já está no fundo… Infelizmente, há tantas relações assim… que se vão prolongando por ser tão difícil saber qual o meridiano que separa o normal da insensatez, qual a linha do equador que separa o positivo da alienação… Felizmente, mesmo uma relação pode ser um segmento de recta e não uma recta ad infinitum…Em algumas relações, é bom que assim seja… Outras há que são eternas… Independentemente do tempo que durem…

Ainda em relação à disposição das espreguiçadeiras…
Acontece que estas raras pessoas estão-se pouco importando para as espreguiçadeiras… na verdade, elas salvam pessoas!!! E ensinam a salvar pessoas!!!! Aliás, estas raras pessoas que nos deixam sem palavras estão sempre a ensinar uma grande lição: são as pessoas que importam!!!! AS PESSOAS!!! E estas raras pessoas praticam, na vida, o que ensinam!!!! Porque importam-se verdadeiramente com os outros. E por isso sabe tão bem estar perto delas… Com elas!!!!

São estas pessoas que merecem tantas e tantas palavras… Mas, para elas, esta linguagem não chega… Não tem a devida dimensão…
Para essa e essas pessoas  seria mesmo preciso inventar outra linguagem…uma sintaxe do coração!!!!
Como  gostaria de a inventar quando o meu Doutoramento terminar!!!!! :)