Querido Pai…
Toda a terra da minha alma estremeceu em mim esta manhã quando soube tinhas ido para o hospital… Talvez porque a doença seja um território tão raro em ti, a ponto de quase o desconhecer, senti o tumulto do susto e do medo.
Senti, epicentralmente, a fragilidade do adquirido, senti o quanto tu, sempre tão forte, tão determinado, tão presente na minha vida, poderias um dia, um dia, qualquer dia, estar ausente…
A ideia arrepiou-me como uma brisa de Janeiro em pleno Junho. Tu, que, de mão e braço e coração dado à mãe, sempre soubeste ser o meu Norte.. E Sul e Este e Oeste…Tu, que sempre foste a minha referência de vida, de pensamento, de valores...Os meus pontos cardeais...e vitais. E que soubeste, como ninguém, personificar, com a tua carismática e magnífica personalidade, o TEU (e, mais tarde, NOSSO) NORDESTE açoriano…
O Nordeste dos teus Açores…O Nordeste da tua amada e natal ilha de São Miguel…
Porque só tu, tal como o Nordeste único que me soubeste mostrar em cada quilómetro quadrado de calma, és a junção do esplendor das altas arribas da costa nordestina, medidas com o olhar no adro da Igreja da Achada, quando revelas toda a tua sabedoria, lucidez intransigente e clarividência, aliada à tua demorada ternura e extrema delicadeza, toda ela tão condizente com os entardeceres no porto da Caloura…
Por vezes, és reflexivo, contido, denso e silencioso, como as extensas matas de Criptomérias da Tronqueira…
Outras vezes há em que te revelas tão sorridente, em que ris tanto, sorris e encantas com as palavras com uma boa-disposição tão social e contagiante que faz lembrar os bailados das gaivotas na sua pesca vespertina. Ou mesmo o sonoro e alegre regresso aos ninhos dos canários, tentilhões e melros aquando do ocaso na zona do Castelo Branco.
Raramente, mas só muito, muito raramente, te vejo irritado. Só ferves como as fumarolas das Furnas quando te apercebes de alguma injustiça…Particularmente de patrões para com trabalhadores… És uma pessoa justa e bondosa até à medula, pai… E é tão injusto que estejas agora a sofrer…
Sei que não posso evitar nem amenizar essas dores tanto como gostaria… E sei que, por agora, terás que repousar muito…Se não, sabes o que me apetecia???? Pegava em ti e na mãe (depois dela acabar o último exame) e nos teus netinhos e embarcávamos para São Miguel… Gostava imenso…Mas não posso porque tu não podes…
Como também não posso trazer até ao teu olhar os 745km2 de São Miguel.
Mas, em alternativa, levar-te-ei hoje, além de revistas para entreteres as vistas, a certeza que és o melhor Pai do Continente e Ilhas!!!!
E levo-te o que guardo ainda em mim do teu, que é já nosso, Nordeste!!! Levo-te as memórias do mar que lá se interrompe nas escarpas… Levo as ruelas…Levo os lugares, cantos ,recantos e momentos raramente inclusos nos roteiros turísticos.
Levo o cheiro forte, persistente, a mistura de dez, cem, mil essências… Levo as manchas esparsas de poejo, macela, murta, giesta… Levo as Uvas-de-cheiro que sabem ao cheiro que lhes dá nome…Levo as casas solarengas, algumas quase dos finais do Séc. XVIII…Levo as tuas citações sempre pertinentes do cronista Gaspar Frutuoso.
Levo as Lagoas. Levo o olhar encharcado de espanto.
E levo o que sempre me ficou e agora se me reinventou… O que só os Açores têm e que deveria ser Património da Humanidade!!!! Aquele azul e verde!!! Aquele azul e verde que ficam para sempre na retina do olhar e se multiplicam no coração da memória em reinvenções de harmonia cromática…Combinações de verde que só se encontram na alma e no olhar dos Açores… E nas pontas da Madrugada e do Sossego.
Levar-te-ei tudo isso para saberes o tanto e tão belo que tens deixado em mim…Fora o resto…Que é tanto!!!
Adoro-te Pai!!!!
E melhora depressa!!!! Temos ainda muitas viagens para fazer!!!!
Até já!!!