sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Leite em pó!!!!...

"A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos." Montesquieu


Há dias recebi um e-mail que me impressionou particularmente, não tanto pelo conteúdo mas essencialmente pelas intenções claramente xenófobas que o motivaram e o colocaram em ampla circulação.

 O mesmo tinha como intróito: “Olhem bem a táctica dos nossos (com aspas) amigos ciganos. O Sarkozy é que tem razão.” Seguia-se então uma breve filmagem captada por uma câmara oculta duma dita farmácia localizada em Massamá na qual se observada um furto de quatro latas de leite em pó praticado directamente por uma mulher, que as colocou dentro da saia comprida que trazia vestida, e,  indirectamente, por dois homens que aparentemente tinham como função distrair os farmacêuticos e auxiliares.

Não vou aqui defender o direito ao furto que, obviamente, não defendo. Mas, acima de tudo, defendo e vou defender até à morte o direito à vida e à dignidade humana.

Quando vi o referido “filme” confesso que não pensei nos cerca de 30 euros que aquela farmácia ia ter de prejuízo ao fim de um dia de receitas de 36 mil euros (estou a fazer uma generalização baseada numa heurística da disponibilidade pelo que a mesma não é credível. Sei apenas que as farmácias que conheço têm receitas médias diárias que rondam esse valor).

Na verdade, pensei muito mais nas crianças que estavam algures à espera daquele leite.

Podemos chocar-nos com o furto mas não é muito mais chocante saber que vivemos num país onde há famílias que têm que roubar para matar a fome aos filhos?

Não é muito mais chocante saber que há filhos em idades muito precoces em condições tais de pobreza que correm o risco de padecer de fome?

Não são muito mais chocantes os furtos de colarinho branco que se fazem neste país que nada têm a ver com a motivação de dar de comer a um filho mas de engordar a já obesa conta bancária, adquirir mais um modelo automóvel topo de gama para estacionar ao lado de outros doze?

Não é muito mais chocante crimes de pedofilia que saem impunes, crimes de companhias farmacêuticas apagados com chorudos subornos, furtos das próprias farmácias aos cofres do estado (a todos nós, afinal) devido à falsificação de receitas de anti-psicóticos que eram comparticipados pelo estado a 100% visto serem essenciais ao tratamento de patologias psiquiátricas crónicas gravíssimas como é o caso da esquizofrenia?

E saber que, devido à ganância de umas quantas destas farmácias, os doentes que realmente sofrem destas patologias totalmente incapacitantes deixaram de ter a sua medicação comparticipada a 100% e vêm-se obrigados a pagar, por vezes, mais de 100 Euros por caixa de neuroléptico quando a sua pensão de grande invalidez não vai além dos 180 Euros???!!!! Isto não choca???? Por que é que não circula com tanto sucesso????

Por momentos quase pensei na veracidade do provérbio: ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão!!!

Mas depois pensei melhor… De nada nos vale formatarmos o pensamento à lei de Talião: olho por olho, dente por dente!!! Isso só nos leva à cegueira…E a ficarmos mentalmente desdentados!!!

Não é assim que este mundo, esta humanidade evolui…

Mas esta é a minha humilde opinião “darwinamente mokinista” (há pessoas que prezo muito que ainda me chamam Mókina!!! Entre as quais, os meus filhos que, apesar da tenra idade, não vão atrás do rebanho a chamar nomes aos colegas romenos, moldavos ou africanos com quem convivem… Brincam com eles como gostam que com eles brinquem… Tratam como gostam de ser tratados… Respeitam…E o respeito do outro não tem a ver com a idade cronológica mas com a idade mental!!!!).

 Mas há, evidentemente, outras opiniões. E até as posso compreender mas não me peçam que as aceite e, muito menos, que as divulgue como se fossem comummente aceites e, por isso, legítimas.

Continuo a acreditar que há valores que se sobrepõem, que os princípios morais universais se sobrepõem aos princípios individuais e que a moralidade heterónoma é significativamente mais desenvolvida que a moralidade autónoma, a moral egocêntrica, a moral do castigo.

Não faria mais sentido, em vez de se condenar esta mãe, e por ventura estes pais, ou tios, ou primos ou amigos, por furto, olhar para a situação a fundo e perceber o que realmente motiva estas pessoas a roubar? (na verdade, o verbo furtar é mais adequado pois roubar implica violência).

Elas não estão a furtar cremes para a celulite nem pastilhas de supressão tabágica. Estão a furtar leite em pó que, com certeza, não será para se porem a snifar!!!

Por que não usar este vídeo não para incentivar crenças xenófobas mas sim para alimentar sentimentos de humanidade, altruísmo, reflexões morais e sociológicas?

Por que não usar este vídeo para sugerir às farmácias e companhias farmacêuticas que, por exemplo, uma vez por semana distribuam gratuitamente leite em pó em amostras ou similares a TODAS as pessoas, independentemente da etnia, nacionalidade ou legitimidade de estada no país?

E o mesmo se aplicaria aos centros de saúde, maternidades e hospitais… Por que não o leite em pó ser gratuito para TODAS as crianças até aos 6 meses de idade, todas, mesmo aquelas que são filhas de pais sem visto de permanência e em situação ilegítima?

Certamente que muitos furtos iriam diminuir…Certamente talvez não víssemos tantos bebés à torreira do sol ou debaixo de chuva nos semáforos, ao colo de braços que se estendem com a “Revista Cais” na mão,  ou o “Borda D´Água” ou um pacote de pensos rápidos à espera de uma moeda…

Pensos rápidos…
Realmente é o que mais precisamos!!! Porque se os preconceitos, as generalizações estúpidas e/ou ignorantes e/ou maldosas os ferem, a eles, a eles que pedem, a nossa falta de humanidade, o nosso “olhar para o lado”, o nosso fechar o vidro, o nosso rir das tácticas de furto optimizadas para furtar leite em pó para calar o choro faminto dos filhos deveria ferir-nos muito mais!!!!

E talvez um “penso rápido” não chegue… É preciso um “pensar devagar” em todas estas questões!!!


(Sei que, no fim da leitura deste post talvez aqueles que me conhecem me considerem ainda mais ingénua,  ainda mais utópica, mais…Não sei.
Pensem o que quiserem pois felizmente todos temos liberdade para pensar porque ainda estamos suficientemente nutridos para o fazer…
Talvez até perca alguns amigos, gere desilusões… Compreendo...Não julgo ninguém, apenas exprimo a minha opinião…Continuo a achar que há romenos e romenos assim como há portugueses e portugueses assim como há ciganos e ciganos. E, acreditem, por experiência própria advinda das consultas e prática clínica, vos asseguro que há ciganos que não são nada “ciganos” no sentido pejorativo da palavra. Mesmo nada.  Acho que, em suma, há pessoas… Pessoas que são levadas a atitudes extremas porque também são alvo de medidas extremamente ignorantes, por vezes alvo de maldade extrema ou de situações de extrema precariedade económico-social.
 Esta é a minha opinião. Opinião que se torna cada vez mais forte à medida que sei o quanto tenho a sorte de não ter (ainda) que furtar nem fugir aos meus princípios para alimentar os meus filhos… Mas qualquer dia, como as coisas estão, não sei… Com a Galp a ter 360 milhões de lucro num ano de crise e eu a ter que forçosamente levar o carro para Lisboa porque tenho horários perversos de trabalho, tenho que levar os meus filhotes ao infantário que fica a 10 km de casa para depois fazer mais 70km para ir trabalhar, todos os dias…Não sei, não!!! Qualquer dia vão ver-me de saias bem compridas!!! ) 

9 comentários:

  1. Pois é minha amiga! Esta é infelizmente a sociedade em que vivemos!Nós os que vivemos na época do fascismo criámos as nossas utopias com o 25 de Abril!Sonhámos que finalmente iriamos viver numa liberdade, com pão, educação saúde, enfim como diz a canção!
    Mas passados estes 37 anos daquela madrugada libertadora, olhamos á nossa volta e que vemos?
    A distancia entre os que mais têm e os que menos têm é cada vez maior (e uma das maiores da Europa), vemos a vergonha da falta de ética politica e empresarial (o exemplo que deu dos lucros da Galp é paradigmático), o gravissimo problema da justiça, o escândalo dos altos salários de gestores publicos (pagos por todos nós) e isto só para dar alguns exemplos.
    Muitas vezes me pergunto se a culpa da situação em que vivemos é apenas dos nossos governantes ou nós (Povo português)também temos alguma parcela de culpa.Todos nós já reparámos que numa mesa de café o herói é aquele que conta aos amigos a forma mais expedita de fugir aos impostos. Esta situação seria impensável em muitos países da Europa. Mas se dermos um saltinho a Itália e vemos o que se passa na sua politica interna com a actuação de Berlusconi podemos ser levados a concluir que nós nos países mediterranicos (sangue latino) somos assim!(mas eu quero recusar esta conclusão).
    Mas voltando a Portugal que podemos fazer para alterar o actual estado de coisas? Pergunto-me muitas vezes a mim mesmo, depois de ter estado a trabalhar 26 anos no Poder Local e Regional nos quais sempre incentivei á participação dos cidadãos na vida pública, que deverei ainda fazer para não me transformar num espectador passivo deste triste espectaculo que está a ser a actual governação de Portugal?
    Força Mónica!
    E continue sempre sem desistir!
    O amigo Carlos Sousa.

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  2. Prezado amigo Carlos, muito lhe agradeço a generosidade e simpatia da visita ao meu blogue. Apreciei com emoção a sapiência e lucidez das suas palavras!!! Foi um privilégio!!! Estou-lhe muito grata pela força e incentivo!! Um abraço feliz!!!
    Com amizade e admiração,
    a amiga Mónica de Sousa Mendes

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  3. Mónica, é sp um prazer ler os teus textos!
    Sp mt bem escritos, com objectividade e sobretudo, reflexão! Parabéns!

    Estou completamente de acordo contigo e com o facto que descreves que é mt mais fácil criticar (e punir...)os mais fracos do que enfrentar os mais fortes...

    É assim em Portugal, é assim na Europa, é assim no Mundo...

    São realidades do século XXI!

    Bjks,
    LR

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  4. OHHHH Luís!!!! Que bom...Que bom "ver-te" por aqui e ler-te... aqui!!!! Muito, muito, muito obrigada pelo comentário e pela força constante!!! Saudades!!!:)

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  5. "Na verdade, pensei muito mais nas crianças que estavam algures à espera daquele leite. "

    Também eu vi o vídeo e não me lembrei sequer de o analisar por esta perspectiva.

    É por este motivo que este blogue faz-nos falta!!!

    Grande Abraço

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  6. Muito obrigada, Miguel!!!! Gostei imenso do comentário, principalmente por saber que pude contribuir, ainda que modestamente, para um outro olhar sobre uma mesma realidade!!!

    Agradeço esse olhar!!

    Grande abraço a...
    pestanejar!!!;)

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  7. Não vi este vídeo... mas tenho visto comentários nessa onda a circular pela net.

    Se há assunto que me toca num botão muito DELICADO são xenofobias/ismos, discriminações, egoísmos... em que eu próprio me apanho às vezes distraído a prevaricar!

    Obrigado por me chamares a atenção e fazeres reflectir!

    Só porque nascemos num determinado pedaço do planeta com linhas invisíveis definidas em volta temos direito a ele? Gostaria muito de deixar de precisar de passaporte e vistos para viajar pelo mundo... Na minha vida privilegiadíssima, são estas "trelas" que sinto que me podem limitar de forma totalmente ridícula. Mas ao menos não me têm privado de viver uma vida confortável... o que não acontece com outras populações. Em Portugal, aqui em Singapura, em quase todo o mundo, infelizmente.

    Fui ao google ver o que é moralidade heterónoma vs. autónoma! Acho que tenho de ler mais Piaget para entender bem!

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  8. Buli, a tua opinião é sempre um privilégio!!! Havemos de falar mais sobre Piaget!!!!
    Beijinhos sem passaporte!!!:)

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  9. Existe um factor incontornável no nosso dia-a-dia que por vezes corta as expectativas a alguns de nós. É a forma como a sociedade está montada em valores que, têm de tudo, menos de humanidade. Cabe a cada um de nós, os inconformados, fazermos a diferença através duma reflexão profunda sobre o que pode ser alterado e... começarmos a ser instrumento dessa mudança, começando por nós. Ao agirmos em conformidade com os nossos valores e com o nosso novo despertar da realidade que nos rodeia, nem que sejamos um no meio da multidão! Um único!Quem sabe, provavelmente tornar-se-á um rastilho aglutinador duma mudança de consciência de mais alguém, alguns... É da nossa consciência que nasce a moralidade, os nossos valores. É muito bom quando, perante uma reflexão profunda como a da Monica, faz pelo menos mudar uma única pessoa que seja, para a acção, pois na minha humilde opinião, seria a melhor prenda para um texto como este. É o que lhe desejo Mónica.
    Beijos :)

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