quarta-feira, 20 de abril de 2011

O que é um momento...

“O valor das coisas não está no tempo em que elas duram mas na intensidade com que acontecem… Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
 Fernando Pessoa


A resposta, desta feita, veio antes da pergunta…
Um momento… - avancei, com a voz a afastar-se suavemente e a afundar-se cada vez mais na cavidade mais recôndita que encontrei…
E ela perguntou, com o olhar interrogativo de espanto:
- Demoras muito?
- Estou quaaaaaaassssseeeeee….
- Aqui vou eu…
Silêncio… Fez-se silêncio… Daqueles silêncios expectantes que ecoam pela casa toda… Daqueles silêncios cardíacos, quase nervosos, mas bons, saborosos, escondidos, secretos….
Ouço-lhe os passinhos pequenos e saltitantes…
- Oh mãe, afinal onde é que tu te escondeste?????!!!!
- Quente, quente!!!!...

A porta da despensa entreabre-se, um rastilho de luz entra timidamente e um risinho maroto explode em risadas estridentes e partilhadas:
- ENCONTREI-TE!!! ENCONTREI-TE!!!!
Agora sou eu a esconder-me, mãe! Vá, fecha os olhos…

Eu fecho… Escuto os passos…Visualizo-lhe o percurso da fuga…Saboreio a brincadeira…
Vivo o momento dos nossos deliciosos (des)encontros de mãe e filha nas divisões da casa… Sim, agora ainda nas divisões da casa… Mais tarde, talvez, nas divisões da vida!!!!
E andámos nisto sei lá eu quanto tempo… O necessário, talvez, para aprendermos internamente que, no fundo, nos poderíamos perder uma da outra mas sempre nos iríamos reencontrar…
Para aprendermos que poderíamos, literalmente, estar fora do alcance da vista mas não do alcance do coração!!! 

 (Na verdade, a própria brincadeira universal que os bebés fazem do jogo do “cu-cu” ou do atirar os objectos para o chão e de os colocar fora do alcance da visão à espera de que alguém os volte a colocar perto deles acaba por os ajudar igualmente a lidar com essa mesma ansiedade de separação, a lidar com os futuros encontros e desencontros da vida - além de contribuir para a aquisição de uma importante competência cognitiva designada por “permanência do objecto”).

Mas é de momentos como estes que se constrói uma relação, que se constrói, neste caso, o amor parental… Porque, efectivamente, qualquer relação requer tempo, requer momentos, tempo(s) e momento(s) para estar e ser com o Outro…Porque acredito que só amamos o que realmente conhecemos e só conhecemos realmente se dedicarmos tempo a esse processo de conhecimento.
Não há amor, relação, conhecimento, sem…tempo, sem momentos, sem instantes únicos e eternos, de completa dedicação.
No livro “ O Principezinho” , de Saint- Exupéry , é sábia a mensagem metafórica dada pela Raposa ao Principezinho quando este olhou, triste, para um jardim cheio de rosas e viu que a sua era, afinal, igual a tantas outras... Então a Raposa disse-lhe:  “A tua rosa é única pois foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a tornou tão importante, única e distinta das outras rosas!!!”

Será que hoje há tempo para se cultivar rosas únicas????
Hoje vive-se numa espécie de “fast food” sentimental!!!!  Alimentamo-nos de emoções cozinhadas no microondas!!!!
Depois, tudo sabe a pouco ou tudo é excessivo. Raramente se sente que as relações estão “no ponto” exactamente porque não levam o devido e necessário tempo a cozinhar!!! Ou são insonsas ou demasiado salgadas ou demasiado picantes ou mesmo intragáveis!!!!
São relações tipo ”lasanha” para Microondas, 5 minutos e já está!!! 
Mesmo as conversas são “conversas buffet”…
Senão, vejamos: são conversas aparentemente sem pressa mas sempre à pressa, em que se fala um bocadinho de cada assunto e nunca muito de nada em particular, em que se prova um pouco de tudo, com diálogos quase sempre incompletos e histórias quase sempre contadas na versão “trailler”…Nem tempo há para imaginar devidamente os contornos das personagens intervenientes a não ser que as ditas conversas sejam entre familiares e sobre familiares!!!!
As respostas às perguntas dos ditos diálogos incompletos são quase sempre antecipadas e bebidas – como o café- já só de um gole, que o relógio não pára e a vida continua…Não se sabe bem para onde!!!
Ainda assim, quando há conversa, mesmo “conversa buffet”, é já uma raridade…Se há conversa é porque há momentos… E para haver momentos é preciso haver tempo…E esses momentos podem ser mais ou menos intensos….
Um momento é, pelo menos, temporalmente maior  que um instante… O normal, hoje, é tão só um instantâneo SMS, devidamente abreviado para que cada vez mais  encurtado seja.
Manda-se o sms, escreve-se no mural, dá-se um gráfico sinal de vida e já está!!! 
Escrever mais???? Mas isso implica pensar…E pensar dá trabalho…E a malta desde há uns anos para cá que se dedica a bem cultivar a preguiça…
Porque, justiça seja feita, nós temos excelentes “preguicicultores” em muitos dos terrenos do nosso Portugal!!! Mas, paradoxalmente, lá fora, quase não nos dedicamos à “preguicicultura”!!!! Aliás somos, na generalidade, trabalhadores exímios!!!
Veja-se o caso do Luxemburgo cuja população total tem 20% de Portugueses e é o país actualmente com maior sucesso económico a nível mundial!!!
Evidentemente, nada tenho contra os sms, posts, links…Pelo contrário!!! Reconheço-lhes a grande e notável utilidade e qualidade! Mas também o defeito, que não é mais senão o do retrato da própria sociedade actual: a instantaneidade!
Como tudo o que é instantâneo, os posts passam (este vai passar!!! Snifff!!! Snifff!!!), os sms são apagados, os links desaparecem… E ficamos no fim com um vago registo do que se passou…  Talvez, por isso, volte a escrever cartas…Só para saborear a letra, o gesto, a escrita, o acto de envelopar, de escrever a morada, de escolher o selo, de colar o selo, de colocar no marco, de esperar tantos dias… Porque às vezes sabe bem esperar uma carta (desde que não sejam aquelas que vêm todo o santo mês a acusar os já esperados débitos na conta bancária)… Quando sabemos que ela vem, sabe bem esperá-la… E são momentos bons, os da espera!!! E são momentos bons, os do reencontro!!!!

Como estes, em que reencontro os teus olhos a pestanejar, em que observo com redobrada atenção os teus dois longos pares de pestanas  a borboletejar sobre as tuas íris floridas…
Guardo estes momentos em que observo como és linda, Bia!!!

Um dia, quando eras mais pequenina, perguntaste-me o que era um momento…

Um momento é isto…
É este tempo em que te olho, depois de te esconderes e de eu te encontrar, este tempo finito que me sabe a infinito, que se perfuma de eternidade…
É este tempo em que pouso o olhar nas tuas mãos pequenas e as trago para o meu rosto…
É este tempo ainda do nosso tamanho em que rimos juntas e em que olhamos uma para a outra a sorrir e tu me pedes água e em que eu te dou água e em que escuto a tua sede a acalmar…
Um momento é isto…Pode ser isto… Ou outra coisa…
Um momento às vezes escolhe-se...
Outras vezes, acontece-nos...
Outras vezes, ainda, escolhemos fazê-lo acontecer-nos!!!!
Como este(s)!!!!











5 comentários:

  1. Momentos, muitos e bons são os de saborear a tua escrita....
    Só uma mãe galinha consegue ter tantos sentimentos, descritos com este carinho.

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  2. Mais um texto espectacular!
    Belos Momentos saboreio ao ler as tuas palavras!
    Continua!
    Bjks

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  3. Dá que pensar...mas tens toda a razão e realmente já ninguém tem tempo para ouvir ou falar convenientemente!

    Beijos Xavier

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  4. E encontrei este link que me enviaste há uns anos... e acabei de reler. Muito bom! Estava a precisar disto. Obrigado! Muitos beijinhos! Nuno

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